OPINIÕES
Quarta-feira, 21 de Setembro de 2005
SOBRE PAULETA E O CINEMA FRANCÊS

Algures a meio do excelente De Tanto Bater o Meu Coração Parou (e desculpem o lugar comum mas que título, meus Deus, que título!) de Jacques Audiard, o nosso Pedro Pauleta faz uma discreta aparição. Não se tratará de um cameo no sentido mais literal do termo, de facto ele "aparece" no relato de um jogo de futebol que está a ser transmitido numa televisão (deduzo que se trate de um jogo qualquer do PSG, mas ele durante os momentos que está “em cena” não marca nenhum golo pelo que não é de maneira nenhuma de excluir que se trate de um jogo da selecção portuguesa) e não me parece que apareça creditado no genérico final. Mas ainda assim ele está lá.


E está lá no papel de Pauleta, uma das estrelas maiores do campeonato francês (foi durante algumas épocas o vencedor crónico do troféu de melhor marcador) e como tal uma espécie de VIP no panorama social francês (mesmo tendo consciência que em França o futebol não tem de maneira nenhuma o peso mediático que tem em Portugal). De qualquer maneira um papel bastante diferente daquele que costuma ser atribuído à personagem do português.


De facto a aparição de Pauleta naquele filme fez-me desde logo lembrar da que é para mim a mais memorável participação de uma personagem portuguesa no cinema estrangeiro. Trata-se do filme Nuits Fauves de Cyril Collard, e a personagem lusa é... a mulher-a-dias do personagem principal. A cena que me marcou refere-se ao momento em que ela entra em casa do protagonista e o apanha em pleno fornicanço no meio da sala. Segue-se um grande plano da cara da nossa compatriota (e o que posso dizer quanto a essa cara é que é a cara... de uma mulher-a-dias portuguesa) e a expressão quase gritada "Ai valha-me Nossa Senhora", com um ligeiro sotaque, talvez beirão (peço desculpa por algumas incorrecções que possam surgir nesta descrição mas já vi o filme há bastantes anos e a memória às vezes cria imagens próprias). Depois abandona a casa (e penso que também o filme).


Era esta portanto a imagem que eu guardava do português no cinema francês. A mulher-a-dias, religiosa e provinciana (curiosamente ainda nesta semana num episódio do Seinfeld surgia uma personagem portuguesa... no papel de criada de mesa, embora substituindo o sotaque beirão pelo brasileiro e o ar provinciano por um ar, digamos, mais fresco). Pergunto-me então se a "estreia" cinematográfica de Pedro Pauleta mudará essa minha percepção.


Mas acima de tudo pergunto-me até que ponto a participação de Pauleta neste filme, tanto mais que se insere na acção não como uma personagem de ficção mas como persona real, uma intromissão do real na ficção (ele surge num relato de um jogo de futebol que aconteceu de verdade, que esta lá para dar autenticidade à cena), não poderá ser um indicador de um novo posicionamento do emigrante português na sociedade francesa (e a verdade é que desde o filme de Cyril Collard já passaram mais de 10 anos e as mulheres-a-dias portuguesas já terão atingido a idade da reforma). Da mesma maneira que a mulher-a-dias de Collard, propositadamente portuguesa, era uma representação real (apesar de ser uma personagem ficcionada) do estereótipo do português em França no início dos anos 90, não poderá esta intromissão de Pedro Pauleta pelo cinema francês (mesmo que involuntária), ser vista como uma representação, ou mais concretamente como um símbolo, de uma nova imagem do emigrante português em França?


E será a sua participação neste filme uma indicação de que o cinema francês começa a espelhar essa nova realidade (e a verdade é que a comunidade portuguesa em França não tendo o potencial dramático de outras comunidades imigrantes depara-se com uma fraca representação na cinematografia francesa, o que torna a intromissão de Pauleta simbolicamente ainda mais forte), ou limitou-se o açoreano a estar no sítio certo no momento certo, como um verdadeiro ponta de lança?


Ou, em última análise, será que tudo isto não passa de um desvario meu, principalmente tendo em conta que a participação de Pauleta no filme de Jacques Audiard é de tal maneira ténue que passará despercebida à maior parte dos espectadores.


Quaisquer que sejam as respostas, aqui fica o apontamento, aguardando-se as cenas dos próximos capítulos. E se estes vierem em filmes tão bons quanto este De Tanto Bater o Meu Coração Parou (e nunca é demais repetir este título) tanto melhor.




por Sérgio




realizado por Rita às 18:26
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