Há uns anos atrás aquando de umas férias em Amsterdão tentei arranjar bilhetes para um concerto que ia acontecer nesse mesmo dia. Já estava esgotado. Disseram-me então que era isso normal por aqueles lados, como as pessoas tinham dinheiro iam a tudo o que fosse actividade cultural e como tal era sempre necessário comprar bilhetes com alguma antecedência para o quer que fosse. Essa ideia do “Eu no dia logo vejo se me apetece ir”, o “deixar andar” português, não seria possível naquele país e era substituído por um “Eu daqui a 3 meses vai ter que me apetecer ir”. Pensei para mim que em Portugal isso nunca seria possível. E a verdade é que apesar das coffee shops e das batatas fritas belgas ao fim da tarde dei por mim a ter pena dos organizados holandeses (mas isso, claro, foi muito antes do Santana Lopes). Porque não se podiam render alegremente à preguiça. Porque não podiam deixar para amanhã. Porque tinham que o fazer hoje.
Tudo isto para dizer que já tenho em minha posse os bilhetes para todos os filmes que tenciono ir ver ao DOCLisboa até ao fim do certame. Não me orgulho disso, tentei resistir o mais que pude mas depois de duas sessões falhadas teve que ser.
No DOCLisboa tem-se assistido a verdadeiras enchentes. Sessões esgotadas, filas imensas para comprar bilhetes, o pânico que obriga à compra dos bilhetes com antecedência. E só de pensar que ano passado, na edição anterior deste mesmo festival não éramos mais de 10 as pessoas na sala (e era um documentário sobre a mesma Palestina que hoje tem sessões esgotadas).
Mas a verdade é que os festivais de cinema tornaram-se uma moda. Foi assim no Indie, foi assim na Festa do Cinema Francês (uma sessão esquecida numa segunda feira à noite chuvosa no Instituto Francês e deparei-me com uma sala cheia, está bem que era o Bilal). E está a ser assim (ou ainda pior) no DOCLisboa (e chego a perguntar-me se não terá sido também assim no Festival de Teledramaturgia Científica que decorreu no fim de semana passado no antigo Pavilhão do Futuro).
As saudades do Grande Auditório da Culturgest vazio, os corredores silenciosos, documentários que se esticavam por três sessões e um público que ia diminuindo de sessão para sessão. Só me resta esperar que isto seja mesmo uma moda. Que o sucesso deste certame garanta a sua continuidade mas que para o ano a maioria do pessoal já não esteja para aí virado. E que se possa novamente saborear o prazer daquelas salas vazias.
SÉRGIO TORRES
sergiotrs@sapo.pt
Começando pelo princípio. A sobreposição de duas peças que pareciam interessantes (“Temporada de Patos” e “Le Monde Vivant”), fez com que, pela Lei de Murphy, eu escolhesse aquela que NÃO ganhou o prémio de longa metragem internacional do primeiro IndieLISBOA, ou seja, “A Temporada de Patos”, de Fernando Eimbcke. Mas confesso que não estou arrependida.
Domingo num apartamento vazio, onde dois adolescentes sobrevivem ao tédio com a ajuda de uma vizinha, um repartidor de pizzas e jogos de vídeo. A adolescência na sua mais confusa forma, entre o divórcio dos pais, a sexualidade, e a dura descoberta de que o mundo não é aquilo que queremos que ele seja. Um preto e branco cheio de tempos silenciosos, onde a angústia e lentidão de um dia se assemelham ao longo caminho que é preciso fazer até à idade adulta. Um humor com pitada de tristeza, e o desespero de encontrar a felicidade na cor de um doce. O papel que me entregaram à entrada da sala entrou na urna com um 4.
No dia seguinte foi a vez de “Niceland”, de Friðrik Þór Friðriksson. Um delírio romântico sobre o sentido da vida, e o amor como força motriz. A única forma de Jet salvar a vida da sua namorada é dizer-lhe qual o sentido da vida. Após ter visto uma reportagem onde Max, um eremita que vive num ferro velho, afirma que conhece esse segredo, Jet parte em busca da verdade. Ironicamente acaba por ser ele mesmo a fazer com que Max enfrente a sua própria realidade. Mais um 4.
Quinta-feira foi “Whisky”, de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll. Um filme sobre a solidão, onde a felicidade é muitas vezes apenas a palavra “whisky” em frente de uma câmara fotográfica. A rotina esmagadoramente agressiva de Jacobo, o dono de uma fábrica de meias, e de Marta, uma das suas empregadas, é repentinamente abalada com a visita do irmão dele, a quem Jacobo pretende impressionar com uma vida construída em família com uma falsa esposa, papel a que Marta se presta sem reservas. As nuances de sentimentos reprimidos como a inveja, o ciúme, o carinho, são filmados com uma subtileza impressionante. As representações contidas mas expressivas fazem-nos ir da gargalhada à angústia da tristeza profunda das suas vidas. O meu único 5 foi assinalado aqui.
O último filme em competição que vi foi “Sansa”, de Siegfried. Uma longa e penosa viagem pelo mundo das viagens. Sansa é um viajante ilegal em todos os países onde vai. Estranhamente, acaba sempre por tudo lhe correr pelo melhor, especialmente devido ao inexplicável fascínio que causa ao sexo feminino. Até que, inexplicavelmente também, decide ir para outro país e mais outro e outro (as coisas tornam-se deveras dolorosas quando chega à Índia e Tóquio). Algumas concepções musicais e cinematográficas são pautadas por alguma originalidade, mas torna-se cansativo acompanhar aquele percurso de um personagem misógino, sem escrúpulos e, basicamente, sem razões. Não é um videoclip, porque a música não vive por si só, não é um filme, porque não basta colar com cuspo algumas imagens. Um 2.
Já fora de competição, a sessão de encerramento (sim, eu arranjei convites e nem me perguntem o que tive de fazer para os conseguir) trouxe um documentário um pouco na linha de Michael Moore: “Super Size Me”, de Morgan Spurlock. Os resultados da experiência de um mês de McDieta só espantam os inadvertidos, os crédulos e os ignorantes, em suma, a grande maioria da população americana. 12 quilos a mais, triglicéridos disparando para o espaço, um fígado à beira da cirrose, sintomas de vício, sinais de depressão. E tudo isto num menu da McDonalds, com três refeições por dia.
Não há dúvida de que ninguém melhor para criticar a América, as suas paranóias, os seus medos e a sua sujidade, do que os americanos que, há que ter pena deles, tiveram o azar de nascer no maior paradoxo dos nossos tempos. É de louvar o esforço de poucos para mudar os pré-conceitos e os pós-conceitos de muitos. É de sorrir perante a sua ingenuidade de que isso irá alguma vez mudar alguma coisa. Temo pelo 2 de Novembro. Por todos eles e por todos nós.