Sessões com 3, 4, 6 pessoas, nunca mais do que meia sala (com talvez uma excepção), foi este o panorama com que me deparei na 3ª edição dos Dias do Documentário, que decorreu na Sala 3 do cinema King entre 17 e 23 de Março. Depois da euforia que foi o DocLX, pergunto-me se terá passado a febre pelo cinema documental ou terá simplesmente faltado a palavra Festival algures no título do certame.
Depois de uma semana muito fraca no que a estreias cinematográficas disse respeito (mas às vezes dá jeito uma semana destas para conseguir por a agenda em dia), é com prazer que assinalamos nesta uma série de novidades de boa monta. E em particular a estreia em simultâneo de 3 filmes vindos do continente asiático, e ainda por cima filmes bem distintos, quer quanto às suas temáticas quer quanto ao seu estilo e mesmo quanto à sua origem (mas só mesmo este nosso espirito eurocentrista para criar esta formula do cinema asiático).
Assim, das artes marciais de "O Segredo dos Punhais Voadores" de Zhang Yimou, nome maior da 5ª geração do cinema chinês e realizador de (o para mim muito sobrevalorizado) "Herói", ao fantástico de "Old Boy" do coreano Park Chan-Wook, filme já de culto premiado em Cannes e no Fantasporto, passando pelos silêncios de Tsai Ming-Liang agora com "Adeus Dragon Inn", ficamos esta semana perante uma imagem mais abrangente do cinema que se faz hoje naquele continente.
Em nome da diversidade e do bom cinema, que sejam muito bem vindos.
Numa mui boa reportagem do Y sobre a importância de Ingmar Bergman para a geração cinéfila de 60 e 70, publicada aquando da estreia de "Saraband" o último filme deste realizador, o crítico João Lopes dizia que os espectadores mais jovens teriam que construir a sua própria forma de se relacionar com Bergman, porque os tempos eram outros. Eu, ao ir ver o filme, deparei de facto com uma nova visão de Bergman só possível nos dias de hoje. Bergman ao som de pipocas. Passado o primeiro choque e o momento de nojo que se lhe seguiu, dei comigo a meditar sobre a realidade que se deparava à minha frente.
Bergman e pipocas.
Como seria possível conciliar no mesmo espírito estes dois conceitos tão diferentes como são o de ir ver um filme de Bergman e ir para o cinema comer pipocas? Como é possível associar no mesmo corpo o acto de ir comprar um bilhete para um filme de Bergman com o acto de ir comprar um pacote (ou balde ou o quer que seja) de pipocas? Será possível fazê-lo num momento contínuo ou será necessário um momento de espera, de distracção do cérebro que impeça uma qualquer reacção química que iniba o corpo de agir. Haverá um momento de remorso posterior, uma tomada de consciência do acto que se cometeu, uma dor que ficará para sempre escondida no mais profundo da alma?
Para todas estas questões não consegui arranjar resposta. Ultrapassa-me. Vai para lá de toda a minha sabedoria (que de facto não será assim tanta). Mas sobre Bergman e pipocas tenho uma certeza. Que não combinam. E que não pode ser de maneira nenhuma essa a forma como a nossa geração se deverá relacionar com ele.
Em fecho de escrita gostaria de deixar um pequeno conselho. "Saraband" está a passar nos cinemas Alvaláxia porque Bergman foi muito rigoroso nas condições em que o filme podia ser exibido, só dando autorização para que fosse exibido em cinemas que dispusessem de equipamento digital de projecção topo de gama ("Digital HD") do qual em Portugal só o cinema Alvalaxia é dotado.
Aconselharia o sr. Bergman a talvez incluir uma nova adenda à sua lista de exigências que proibisse a entrada de pipocas nas salas onde o seu filme fosse projectado (que eu acredito não existir já por incapacidade do realizador sueco em conceber, mesmo que no plano teórico, tal acto). E já agora um conselho também ao senhor Paulo Branco, (de quem o autor destas linhas muito aprecia o trabalho quer como exibidor quer como produtor). Que por decisão própria pusesse desde já em prática essa proibição e impedisse a entrada de comida na sala onde o filme está a ser exibido. É fácil, basta um cartaz a dizer "É proibido levar alimentos para dentro desta sala". Se quiser basta ir buscar um ao Monumental. Lá existem bastantes, estão bem visíveis e resultam.
Para finalizar gostaria de anunciar que irão passar este mês dois filmes de Bergman na Cinemateca. Sem pipocas. Conto lá ir.
P.S. - Que fique claro, este artigo não é nenhum manifesto anti-pipocas (bem, de facto até é). Mas acima de tudo tratou-se de uma tentativa de perscrutar o mais profundo da alma humana. Porque se é possível ao Homem conciliar Bergman com pipocas, então tudo é possível.